O filhote sempre aceitou muito bem as papinhas. Passou da papinha quase líquida à amassadinha numa boa. Até o dia em que resolvi oferecer a refeição mais pedaçuda. Foram várias tentativas, e só houve rejeição. Daí já era tarde demais para voltar à amassadinha, pois ele já não queria saber de nada.
Comer fora de casa passou a ser um tormento: não aceitava nada, nem o que vinha de casa. Nem batata frita! (Olha eu forçando o mau exemplo). Nem na casa das avós, das tias, muito menos restaurante. Comer em casa também era um sufoco: tinha que dar o giz de cera e os papéis para pintar e colocar farofa em tudo… daí poderia ser que ele aceitasse. Veio uma gripinha, um resfriado, e aí é que o apetite foi para o brejo.
O pediatra receitou diversos estimuladores de apetite: uns davam até sono. Nada resolvia. Exame de sangue? Tudo em ordem! Mas pergunta da bobuva (leia-se bolacha, biscoito de polvilho, coisas do tipo)? Ah, isso ele comia. Suco, banana, pera, leite, bolo, isso ele aceitava.
Daí começou a escolinha, e a bobinha mãe pensou: ele vai ver as outras crianças comendo e vai comer. Que nada! Nem experimentar ele queria. E foi aí que a hora da refeição em casa começou a virar um caos. O giz de cera e a farofa já não faziam mais efeito. Eu ficava um bom tempo tentando aviãozinho, trenzinho, skate, nave espacial, mas a garagem não abria! Fazia um segundo prato com outras opções de comida, e nada! Conversava sério, explicava, mas só recebia um “não”. Até que depois de alguns muitos minutoseu perdia a paciência. Era mãe chorando, colher voando, pai pirando, criança berrando. Caos total! Até ele pegar no sono com fome e acordar na hora do lanche da tarde para tomar leite com bobuva.
Um dia eu desisti. Coloquei o prato com a comida picadinha na frente dele e disse para ele comer o que quizesse e se tivesse vontade. Sentei-me à mesa e almocei. Não dei a mínima. Quando olhei para o lado, ele brincava com a comida, jogando arroz e feijão pela cozinha toda, e eu lá, fria como uma estátua que comia. Lá pelos 43 do segundo tempo, ele pegou a colher e mandou ver. Comeu sozinho. Só quando ele se mostrou satisfeito eu me manifestei, carinhosamente, mas sem balbúrdia, dizendo que estava orgulhosa dele.
Tentei outras vezes, sem sucesso. Mas não desisti. A próxima vez que ele aceitou comida foi num restaurante. Mandou ver sozinho um prato de macarrão. Mas na escolinha, era só recusa. A tática do “come se quiser” sem pressão continuou e… Perseverou!
Hoje o pequeno está comendo tudo e sozinho. Ele pega o pratinho e quer que eu diga todos os ingredientes. Daí passa a comê-los nomeando, hora com a colher, hora com a mão mesmo. Derruba, cospe, come de novo. Eu deixo. Semana passada ele deu três colheradas no papá da escolhinha. Ficamos todos felizes.
Sei que essas fases de apetite vão e voltam. No entanto, eu já aprendi um monte nessa primeira fase de recusa alimentar.
-
Ofereça papinha esmagada. Evite passar na peneira ou bater no liquidificador/mix. Fica mais fácil de a criança passar a aceitar a comida sólida.
-
Ofereça alimentos separadamente para que a criança reconheça sabores e texturas.
-
Não desanime no primeiro não. Geralmente a criança recusa um novo alimento cerca de 15 vezes até aceitá-lo. Por isso ofereça o mesmo alimento de formas e em dias diferentes.
-
Deixe a criança brincar com a comida: vale apertar, passar no rosto, na roupa, no cabelo, na mesa. Mais hora, menos hora, ela leva o alimento à boca e percebe o sabor. A satisfação de ver seu filho comer é imediata; a sujeira, você limpa depois.
-
Não force a criança a comer. Ofereça a comida, faça um ou dois aviõezinhos e pronto. Deixe o prato disponível para a criança comer se tiver vontade. Se não, não brigue ou force-a a comer.
-
Nada de pressão: tente você se alimentar com alguém te olhando, esperando você comer. Coma junto, faça companhia, fale sobre a comida, mas nada de ficar só esperando.
-
Sente-se à mesa: nada de ficar correndo atrás da criança com o prato na mão. Lugar de comer e na mesa, e não no sofá, na frente da TV.
-
Dê o exemplo: coma. Mostre à criança como e o que você come.
-
Capriche no visual: a gente come primeiro com os olhos. Se o papá não for apetitoso, com certeza a criança não vai querer comer. E você, comeria algo com aspecto estranho?
-
Deixe a criança comer o que sente vontade. Por isso, coloque sempre no prato um alimento que você tem certeza que ela comeria. Aos poucos ela se sente segura para experimentar outras coisas.
-
Não troque a refeição por mamadeira, doce, bolacha. Hora de comer, é hora de comer. Tudo bem dar um fruta, mas a criança precisa entender que aquela hora é hora da refeição.
-
Se a criança estiver adoentada, seja coerente. Você também fica sem fome quando está doente, né? Mas assim que a criança melhorar, retorne à rotina.
-
Quando a criança comer, não faça muita festa. Espere ela terminar e diga como você ficou feliz e orgulhosa. Senão a criança “descobre” que comer ou não é mais uma forma de se chamar a atenção.
-
Não existe criança chata. Existe criança sem fome. Se nada resolver, experimente deixar a criança com fome: não ofereça o lanchinho da tarde, mas só um suquinho.Corte os petiscos. Atrase a refeição. Deixe-a pedir comida e não ceda aos pedidos de bolacha e danoninho. O ser humano com fome come qualquer coisa! (Cabe aqui ressaltar que não estou dizendo para deixar a criança 3 dias sem comer. Falo de pular um lanche, de não oferecer petiscos, de atrasar a hora da refeição).
-
Procure o pediatra se achar que algo não vai bem.
-
Mantenha a calma. Ninguém consegue comer num ambiente tumultuado, estressante.
-
Seja coerente e perseverante: não desista com os primeiros nãos.
-
